sexta-feira, novembro 23

Texto de Serge Daney, sobre o cinema de Huillet-Straub, extraído do livro “A Rampa”:


Humanismo ou homenismo?


No momento de estréia de Fortini Cani, Straub declarou que seu filme se parecia a algum de Hawks. Essa comparação não convenceu ninguém e chegou mesmo a chocar. Ao ver Dalla nube, perguntei-me se não seria preciso levá-lo a sério. Os dois cineastas têm um ponto em comum: um interesse quase total por somente o corpo humano: um corpo tagarela e em movimento. Um corpo masculino. Seu humanismo também reside em um jogo de palavras: trata-se do homem (espécie biológica), do Homem (essência humana) ou do homem (o humano sob a forma masculina)? Muito já se falou da misoginia hawksiana, mas pouco se disse dos Straubfilmes sob o ângulo da diferença dos sexos. No entanto, é claro que estamos, ao menos desde Leçons de histoire [Lições de história], num mundo heróico, guerreiro, onde as mulheres são raras a ponto de desaparecer quase totalmente de Dalla nube. Nenhuma mulher nos Straubfilmes, não vejo a figuração feminina. Também não existe mãe. Sem dúvida porque ao olhar de uma mãe, o “humanismo”, isto é, o heroísmo sem causa que seu pimpolho divide com seus pequenos camaradas, será sempre um pouco derrisório, tocante e sem grande alcance. O humanismo, isso se vê cada vez mais, é uma invenção dos homens; é, como diz Lacan, um “homenismo”, a versão simpática e sublimada da aliança dos homens contra as mulheres.

Dalla nube alla resistenza abre-se sobre a imagem um pouco irreal de uma deusa (admirável Olimpia Carlisi) e fecha-se sobre a narrativa da morte de uma mulher, Santa, que os partisans tiveram de assassinar porque ela os traiu, e eles também. No início da nuvem e no fim da resistência existe então um jogo, um duplo pertencimento que traz por duas vezes a figura feminina. Uma figura que materializa o entorno do qual os Straub filmam: a traição. Porque além dessas histórias de deuses desocupados e homens revoltados, parece-me que Jean-Marie Straub e Danièle Huillet falam silenciosamente de alguma coisa que permanece imensamente desconhecida (porque desse desconhecimento depende a solidez do meio social): que existe uma indiferença profunda das mulheres por toda crença num ideal. Uma indiferença que contrasta secamente com a piedade um pouco melodramática na qual são tecidas as relações entre os homens. Eis o que resiste ao humanismo e nutre, por sua vez, o homenismo: a mulher. A mulher: o que resiste àquele que resiste, o homem. A mulher, a rocha. Porque não se atinge a rocha com palavras (terceiro diálogo). A rocha: elemento indestrutível que Straub, em nada panteísta, evita chamar de natureza. As coisas do mundo são rocha, diz o cego Tirésias – que foi durante sete anos mulher –, a um futuro cego –, que se chama Édipo.

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